quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

O SAPO, EU E A NOITE CHUVOSA - Sérgio Lopes

Eu ia matar aquele sapo. Seu coaxo estava acabando comigo! A noite do sítio estava muito tranqüila para ser incomodada por aquele coaxar horrível! Ele estava lá fora da casa, perto da piscina, mas parecia que estava gritando dentro da minha cabeça! Eu estava sozinho naquela tão cobiçada paz noturna e não admitia que aquele silêncio quase sagrado fosse interrompido por um ruído tão sem graça e irritante como o que aquele sapo estava fazendo. Então eu me guarneci de uma fúria fulminante, um cabo de vassoura e lá fui eu à procura daquele sapo miserável para massacrá-lo. Lá fora estava escuro, e era uma noite fria e chuvosa. No momento em que eu saí para caçar o sapo até que não estava chovendo mas a grama fria e molhada me fazia sentir frio e mais raiva ainda daquele sapo. Mas o bicho era inteligente: quando me avistou calou-se e eu não consegui achá-lo. Procurei-o um pouco com a lanterna mas o sítio é enorme e eu não sabia de que ponto partia o coaxo do sapo cantador. Esperei um pouco quieto no escuro, mas ele não fez nenhum barulho e eu voltei para dentro de casa, deixando o sapo prá lá.

Mal entrei na casa e o sapo começou a coaxar de novo lá fora. Agora com mais volume ainda. Tentei ignorar a provocação dele mas não consegui. Parecia que estava pendurado na minha orelha de tão alto que estava o barulho. Crá! Crá! Crá! Crá! Não parava mais! Peguei de novo o cabo de vassoura e retornei enlouquecido para o gramado em volta da piscina. Mas assim que apareci na varanda o bicho parou de gritar de novo e eu novamente não sabia em que lado ele estava. Esperei de novo mas o bicho não cantou de novo. Eu me senti uma rã diante daquele sapo mau caráter, provocante e invasor, que estava estragando minha noite na quietude do sítio. Eu cheguei até a falar em voz alta: - Canta de novo sapo miserável! Canta que eu quero ver onde voce está! Mas o sapo ficou em silêncio. Se os sapos sabem rir, aquele estava rindo da minha cara. Passados uns dois ou três minutos de espera, entrei novamente e tudo se repetiu. Assim que fechei a porta da sala o sapo voltou a me provocar: Crá! Crá! Crá! Foi então que eu tive uma idéia brilhante. Disposto a resolver aquela pendenga de uma vez, apaguei todas as luzes da varanda e da casa, e esperei o sapo voltar a cantar para sair pela porta da cozinha e apanhá-lo por trás e de surpresa. Assim que apaguei as luzes, ele deu uma parada. Por um instante pensei que ele tinha percebido meu plano, mas seria esperar demais de um sapo! Logo ele voltou a coaxar como um louco como se estivesse me provocando para tentar encontrá-lo no escuro.

Enquanto ele coaxava atento para a porta por onde eu tinha saído nas duas vezes anteriores, eu saí pela porta dos fundos com todo cuidado e andando devagarzinho pelo gramado. O bicho gritava desesperado e eu logo localizei de onde vinha o barulho. Dei a volta na piscina para chegar até ele bem pelas costas. Ele gritava tanto que não percebeu que eu estava me aproximando por trás dele. Felizmente sapos não têm faro como os cachorros. Agora lá estava eu, a menos de um metro do sapo mau caráter e desafinado. Agora era só levantar o cabo de vassoura e... pimba! Mas enquanto o sapo gritava olhando para a varanda, sem saber que estava há alguns segundos de seu trágico fim, eu dei uma espiada rápida na noite em nossa volta. Era uma noite escura, fria, sem lua e sem graça. E molhada para piorar. Daquelas noites próprias para um bom cobertor em uma cama quentinha em um quarto aconchegante. Então eu lembrei que lá dentro da casa eu tinha um bom cobertor, uma cama quentinha e um quarto aconchegante. Lembrei-me dos dias de sol maravilhosos que passo no sítio, vendo as crianças brincando, correndo e pulando dentro da piscina e contagiando o sítio com sua alegria. Foram muitos dias assim, e em nenhum desses dias aquele sapo havia aparecido para incomodar. O mundo dele era outro. A melhor parte do dia sempre ficava reservada para mim, e para aquele sapo foram reservadas as noites frias e tristes, com chuva fina e grama molhada, e quando ninguém se interessava em ficar do lado de fora da casa. Minha raiva deu lugar a uma certa gratidão. Talvez algum respeito. Resolvi então não matar a criatura que estava se escabelando de gritar pensando que eu estava dentro da casa. Mas eu tinha que fazer alguma coisa para ele parar. Então quase instintivamente eu falei com o sapo:- Pára de gritar, sapo ruim! - gritei.

A cena seguinte foi hilariante. Surpreso com o som da minha voz atrás dele, o sapo quase enfartou. Por causa do susto, ele deu dois pulos fantásticos. O primeiro foi para dentro da piscina, e o segundo para fora dela. O primeiro pulo dele foi um reflexo, pois ele esperava fugir para onde tinha mais mobilidade: a água. Mas ele não considerou que em piscinas as águas contêm cloro. E se os olhos dele já são esbugalhados por natureza, ficaram mais ainda quando se assustou comigo. Quando aqueles olhos enormes bateram na água clorada, deve ter ardido muito, pois ele deu um outro pulo dessa vez para fora da água e continuou pulando até sumir pela noite adentro. Então eu me senti livre do sapo, que naquela noite não me incomodou mais e talvez até tenha me sentido um pouco piedoso por ter-lhe poupado a vida. Mas se na próxima noite de chuva no sítio, ele aparecer de novo, serei mais compreensivo com o coitado, e talvez até lhe ofereça um chocolate quentinho, antes de lhe desejar uma ótima noite fria, sem graça, sem lua e com grama molhada. Do jeito que ele gosta.

Sérgio Lopes

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